Música ao longo da história

Panorama da evolução da Música ao longo da História9 minutos de leitura

A Música vem se desenvolvendo na sociedade sempre com uma característica básica e constante, desde o início. O que sempre existiu na Música é a preferência por consonância. Esta arte de se combinar os sons sempre girou em torno de combiná-los de forma bela e harmoniosa. Isso parece até óbvio demais, tão óbvio que não existe motivo para escrever sobre isso. Mas acredite, isso é somente a ponta do iceberg. Acompanhe a evolução da Música ao longo da história nesse artigo.

Tanto na música oriental, quanto na música ocidental, a combinação das notas segue um padrão bem claro: tocar as notas bonitas e evitar as feias. Isso eu digo bem a grosso modo, para qualquer leigo entender, mas vai complicar, e bastante.

Música na sua origem

Originalmente a Música era associada a coisas elevadas, espirituais, religiosas, ou prazeres mundanos, festas, comemorações, danças. Tanto na concepção espiritual quanto corporal da Música em sua origem, não existe associação com o “feio”, com o “desagradável”. O nascimento da Música está inequivocadamente associado com a representação do belo e agradável da vida, seja ele deste mundo ou de outro.

A pentatônica chinesa nasceu da busca por uma sonoridade em que nenhuma nota entrasse em atrito com nenhuma outra nota. Partindo de uma nota base, foi se acrescentando a 5J dela, e após a 5J desta, e assim por diante. Quando chegou na sexta nota, que seria a śetima maior, ela não foi incluída, nesta que é a principal escala da China antiga, porque entrava em atrito com a primeira nota. Nisso vemos que existia uma preocupação em evitar notas “discordantes”.

Na música ocidental, da mesma forma, as dissonâncias sempre foram evitadas. Por mais que a escala mais comumente usada no ocidente tenha 7 notas e, portanto, dissonâncias entre algumas notas, na construção das melodias a ordem das notas era baseada no princípio de evitar que alguma parte ficasse “feia”.

O trítono

O trítono é um caso especialmente importante nesta análise. Primeiro porque na pentatônica chinesa nem existia trítono. A partir disso já possível supor que ele causa “atrito”. Mas, mesmo na escala diatônica ocidental de 7 notas, onde existe o trítono, ele sempre era evitado. Durante o tempo em que a igreja corrompeu os nomes dos modos gregos na tentativa de monopolizar o conhecimento musical, ou seja, por volta do século XII, que foi quando surgiu a notação musical; o trítono foi batizado de diabolus in musica. Só a título de curiosidade, existe um disco com esse nome, lançado em 1998, da banda de metal Slayer.

Quase dá para se dizer que a história do trítono é a história da música ocidental, pois praticamente toda a harmonia tonal se desenrola sobre a resolução do trítono. O papel do trítono, enquanto uma combinação de notas desagradável, que precisa concluir (se transformar) em algo agradável é o princípio harmônico central de toda a teoria da música como a conhecemos.

Porque a Música tem essa tendência tão grande de expressar a beleza, mas não expressar a feiura?

Podemos entrar numa longa divagação sobre o conceito do belo. Dá para citar uma pá de frases de pessoas importantes sobre isso. Ditados populares também costumam ter a beleza como assunto em pauta. Mas não vou importunar ninguém chovendo no molhado. Vou citar apenas “A beleza está nos olhos de quem vê”.

A relatividade da beleza, algo que está de acordo com o gosto particular de cada um, é unanimidade. Um exemplo bem simples são as cores: cada pessoa prefere uma cor, não existe, nunca existiu e nem nunca existirá uniformidade nisso. É inconcebível um mundo onde absolutamente todo mundo goste exatamente da mesma cor.

Mas, assim como é unânime o conceito de relatividade da beleza, também é unânime o de que, em algum nível, existem coisas belas a todos. É um paradoxo, eu sei, mas veja o exemplo da simetria. O rosto humano é uma imagem que serve como padrão para se pensar sobre o que é belo e o que não é. E um rosto, quanto mais simétrico, mais é associado à beleza.

Isso demonstra que a beleza para nós é tanto de caráter individual e único, quanto de caráter universal. E encontrar essa agulha no palheiro, que é a beleza universal, é o santo graal da arte.

Mas a vida não é um mar de rosas

Isso poderia responder a pergunta “Mas porque alguém iria querer escutar uma música feia? Quem seria tão idiota a ponto de fazer isso?”, porém, adivinha? não responde. É muito fácil notar que algumas das mais belas músicas já feitas são tristes e melancólicas. Aquela tristeza perene do Vivaldi. Tem também um concerto para alaúde e uma sonata para flauta do Bach que chegam a doer de tão triste. Beethoven é de partir o coração, só de lembrar da sonata ao luar me dá um nó na garganta. E são músicas tão lindas, sublimes até.

Então, apesar da Música expressar “a dor que dilacera a alma e a alegria que a inebria”, mesmo assim ainda consegue fazer isso sem ser feia. Que outra coisa neste mundo cruel e cheio de maldade consegue tal feito? Até a desgraça fica bela nas mãos de um habilidoso Mozart ao fazer um réquiem.

A regra tácita universal da Música

Tudo isso é muito bonito, elevado, cheio de amor. Mas aí chegamos em um ponto em que parece que é proibido fazer música feia. Ninguém fala isso explicitamente, mas na prática é exatamente assim. Todo músico, toda musicista, compositores, compositoras, DJs, produtores, produtoras… todos querem fazer música bonita. Aí você exclama e pergunta: “Mas claro, porque alguém iria querer fazer uma música feia propositalmente?”.

Para fazer o que ninguém fez, para chegar onde ninguém chegou. Somos naturalmente sedentos por superação. Séculos atrás a humanidade desejava atravessar o mar num navio, hoje desejamos colonizar Marte. Está escrito no DNA humano: temos uma fome insaciável de ir além.

E a Música, como uma forma de expressão tão poderosa e universal, não poderia mais ser usada apenas para expressar o que é belo, pois o mundo é imundo, cheio de feiura.

Mas porque expressar a feiura, podendo expressar tanta coisa bonita?

Porque é proibido, e todo mundo sabe que tudo que é proibido é mais gostoso. Mas a Música? A Música não, a música tem que ser sempre celestial e divina, até quando é triste. A Música é uma coisa muito boa para se sujar na lama podre dessa sociedade doente. Fica combinado em silêncio que devemos usar as palavras, que são coisas vãs, para expressar as sombras da nossa alma; enquanto deixamos as notas, que são coisas santas, para expressar a beleza em todas as suas matizes.

Mas com um olho no proibido e outro no desconhecido, não há trato que segure exploradores insaciáveis e nem guerreiros sanguinários como nós. E finalmente a Música desce dos céus para mostrar a nós mesmos o que somos: vermes malditos feios e nojentos como o dodecafonismo. Trítonos e mais trítonos, dissonâncias sem fim. Finalmente a Música traça um retrato fiel da natureza humana.

A Sagração da Primavera

Quando foi apresentada pela primeira vez, em 1913, causou um alvoroço, com pessoas saindo do teatro e xingando nos primeiros minutos da apresentação. Polêmica e inovadora, esta obra de Stravinsky é um marco na história da Música. É comum se encontrar comentários sobre a complexidade e a imensa quantidade de dissonâncias da obra. Todavia, esses comentários mais técnicos, estritamente musicais, acabam sendo distantes da vida comum de nós, reles mortais. Alguma noção do porquê esta obra é tão marcante envolve compreender a estética e a teoria musical tradicionais, obviamente. Porém não fiquemos só nisso. Essa abordagem mais técnica deixa de fora o conceito fundamental de que música é sentimento.

Quando eu escutei pela primeira vez Le Sacre du Printemps, foi algo. Eu comecei empolgado, pois iria escutar uma obra importantíssima. Fui entrando no clima, curtindo aquela viagem toda, mas não demorou muito para eu começar a pensar que talvez não tivesse sido uma ideia tão boa assim. Passados alguns minutos eu já estava achando que não valia a pena. Aí eu comecei a pensar em desistir e escutar outra coisa. Mas o fato de ser “A” Sagração do Stravinsly me fez continuar. Foi indo e lá pelas tantas eu já não aguentava mais tanta feiura. Chegou num ponto em que pensei “deve aparecer uma melodia bonita daqui a pouco que justifique essa tortura”. E eu fiquei esperando mais uns dez minutos ainda, me contorcendo, e acabou a música. “Que ideia idiota”, pensei eu quando acabou.

A apreciação e o entendimento da Música

Obviamente eu não entendi a Sagração na primeira escuta. Acostumado com Vivaldi, Beethoven, Mozart, Bach, Debussy, eu achava que “música clássica” era tudo daquele jeito. Porém existem obras que expressam coisas que não queremos ouvir, coisas que nos são inconscientes. Uma montanha de sentimentos que negamos e varremos para baixo do tapete estão presentes nas obras de lunáticos como Schoenberg.

Se a Música pode representar o divino em Bach ou em Mozart, também pode representar o bestial humano em Alfred Schnittke. Temos como herança do romantismo, especialmente de Beethoven, a noção do “sofrimento nobre”. Apesar de triste e desesperador, o romantismo é também colérico, enérgico e triunfal. Todas características muito humanas. Mas o ser humano enquanto besta, lixo e desprezível só viemos a conhecer na música depois do romantismo. Não que Alban Berg seja isso, claro que não. Mas compositores como Schoenberg, Berg, Stravinsky e Schnittke conseguiram expressar através da música o que nenhum outro conseguira. A partir destes arautos da bestialidade humana, a música se tornou também um veículo para a expressão do inconsciente negado pelo ser humano.

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