Como criar uma melodia

Como criar uma melodia11 minutos de leitura

Nesse post eu vou demonstrar como criar uma melodia, de maneira simples e fácil. O exemplo que darei será uma melodia para quem quer iniciar os estudos sobre improviso, criação musical e composição.

Primeiros passos

Vamos começar definindo compasso e andamento, dentro da parte rítmica. Depois definimos tonalidade e progressão harmônica, dentro da parte harmônico melódica.

  • Compasso: 4/4
  • Andamento: 90
  • Tonalidade: Am
  • Progressão Harmônica: i – iv (Am – Dm)

Definido isso, vamos à semente do que será a melodia.

Célula rítmica e motivo

Para início de tudo vamos desenhar uma célula rítmica, e só depois colocar notas. A célula rítmica deste exemplo ocupará um compasso e terá três notas. Ela é formada por uma mínima e duas semínimas. Eis a célula rítmica:

Notas da célula rítmica na partitura.

Regras básicas para atribuir as notas

  1. A melodia deve estar compreendida dentro de uma oitava.
  2. A primeira nota deve ser a Tônica, a terça, ou a quinta da tonalidade em questão.
  3. Preferencialmente graus conjuntos.
  4. Se houver saltos, eles devem ser sucedidos e, se possível, precedidos de movimento contrário.

Comentários sobre as regras

Essas são regras antigas, que eram praticadas com rigor na Europa desde o século XII. São regras muito básicas, e não se aplicam em muitas músicas mais recentes. Estou falando em coisa de 100 – 200 anos para cá. Aprender os primórdios da construção de melodias é muito válido. Mesmo que não exista mais a obrigação de se seguir essas regras, ainda assim elas acabam aparecendo bastante. Outro detalhe importante é que, ao longo do tempo, essas regras foram ganhando variações, ou foram evoluindo, e se adaptaram.

A primeira regra, por exemplo, foi deixando de ser usada para compreender apenas uma oitava. Com o tempo, além de uma oitava, também começamos a limitar a melodia a duas oitavas, uma oitava e uma quinta, uma oitava e uma terça, e assim por diante. Neste exemplo, como é um estudo inicial, eu vou utilizar a limitação da melodia da forma mais fácil possível, ou seja, com a extensão de uma oitava.

Vamos ao motivo então

Depois de definida a célula rítmica, o próximo passo neste exercício é atribuir uma nota no sentido harmônico. O motivo pode ser definido de várias formas. Aqui eu estou definindo-o como uma sequência de três notas com um compasso de duração. Comecei atribuindo o ritmo, para somente agora atribuir um contorno melódico, pois acredito que isso facilita a compreensão. Na concepção estrita deste estudo, motivo é a soma de uma célula rítmica com um contorno melódico.

Célula rítmica é uma sucessão de figuras rítmicas que podem ser utilizadas em qualquer nota. Já contorno melódico são as notas no âmbito harmônico melódico, independente do ritmo que tenham.

Para facilitar o processo de entendimento, comecemos com a Tônica (segunda regra), e sigamos com grau conjunto ascendente (terceira regra). Acompanhe na partitura como ficará.

Motivo escrito na partitura.

Desenvolvimento da melodia

Depois de criado o motivo, começando com uma célula rítmica, e após isso um contorno melódico, fazemos variações. Você pode conferir neste link um pouco mais sobre variação musical. Porém o básico que precisa ser entendido é que este pequeno fragmento de melodia vai ser repetido, mas não exatamente igual, e as variações feitas nele dependerão de todo o contexto da música em questão. O princípio de tema e variação se aplica desde o início deste estudo. Tudo isso é feito para ser algo acessível e compreensível rápida e facilmente.

Aqui eu estou criando uma melodia como exemplo, mas você pode pode utilizar estes princípios para criar qualquer melodia. Aliás, o objetivo é este, apenas demonstrar.

No primeiro compasso construímos o motivo em cima do acorde de Am. No segundo compasso daremos continuidade construindo uma variação sobre o acorde de Dm. Para isso, analisemos os detalhes do motivo.

  • Ritmo de três notas, sendo a primeira longa e as outras duas curtas.
  • Contorno melódico ascendente, onde as notas só sobem.

Existem algumas variações possíveis, tanto no âmbito rítmico, quanto no harmônico melódico. Algumas considerações são interessantes antes de desenvolver a melodia. Segundo Arnold Schönberg, o ritmo é mais importante para manter a coesão da peça. Não é uma visão unânime, é claro, mas ele foi um grande teórico da Música, professor, e criador do dodecafonismo.

Variação no segundo compasso

Por isso, para este exercício, vou fazer a primeira variação na harmonia apenas, ou seja, o ritmo continuará o mesmo de antes. Na prática isso significa que eu vou desenrolar as notas de acordo com a progressão harmônica. Utilizando os mesmos princípios de antes, eu vou começar com a primeira nota, que deve ser a Tônica, terça, ou quinta do acorde. Sobre o acorde de Dm, a melodia pode começar, então, com D, F, ou A.

Como a última nota do compasso anterior é C, a nota mais próxima para começar o segundo compasso é o D. Além disso, o D é a Tônica do acorde. A prioridade é ela então. Para ir direto ao ponto, vamos colocar um D ali e seguir o processo.

Note que, em termos de intervalos, o motivo tem o seguinte padrão: T, 2, 3. Já que o segundo compasso começa com a Tônica, vamos manter esse padrão. O segundo compasso, construído sobre o acorde de Dm, ficará com o mesmo ritmo, e as notas serão D, E, F.

O que temos até então

Enquanto no primeiro compasso temos as notas A, B, C; no segundo compasso temos D, E, F. No primeiro compasso temos movimento ascendente por grau conjunto e no segundo também. Os intervalos em relação à Tônica do acorde são os mesmos também. Isso faz com que este segundo fragmento seja facilmente reconhecido pelo ouvinte, ou seja, a primeira variação do motivo é reconhecida prontamente. Em outras palavras, os dois primeiros compassos têm uma unidade bastante coesa.

O resultado final desse início é uma melodia ascendente, em grau conjunto.

Uma variação bastante utilizada

Nos compassos 3 e 4 vamos fazer uma variação bastante comum, mas não necessariamente inexpressiva. Ela é bem simples e pode ser usada também como segunda voz. O que eu farei aqui é simplesmente pegar os intervalos T, 2, 3 do motivo e subir uma terça. Como resultado final, o que antes era A, B, C, D, E, F ficará C, D, E, F, G, A.

Nesse ponto atingimos a oitava de extensão que eu propus no início. Já temos quatro compassos, que podem ser pensados como células que se desenvolvem. A primeira célula gera a segunda por semelhança. As duas primeiras, por sua vez formam uma nova unidade, que gera outra unidade, também por semelhança. É um desenvolvimento orgânico.

Usando os quatro primeiros compassos para criar a parte final da frase

Primeiramente vejamos que a terminologia varia. Eu vou usar a que considero mais apropriada, principalmente a quem é iniciante. Eu poderia me referir aqui a “sentença” também, mas prefiro deixar este termo de fora e usar somente “frase”. O que importa, no final das contas, é entender a lógica e o processo.

Outra coisa importante é que eu não estou falando em inspiração, ou intuição, e é evidente que a criação musical também tem isso. Mas fica difícil ser claro e abarcar tudo que envolve a criação, improviso e composição. Portanto eu considero mais proveitoso explicar minuciosamente estes detalhes técnicos e racionais, para só futuramente falar em intuição.

Vamos aos quatro últimos compassos

Comecemos pensando em fazer variações diferentes das feitas até então. A primeira coisa a se considerar agora é que a melodia já atingiu uma oitava, portanto vamos para o movimento contrário. Se antes a melodia subia, vamos descer. Isso, além de deixar a melodia dentro das regras propostas, desperta interesse no ouvinte, posto que ela não fica sempre na mesma.

No quarto compasso, temos como última nota o A, sobre o acorde de Dm, o que é a 5J do acorde. No quinto compasso, temos o acorde de Am, e precisamos descer. Para onde ir? A princípio, as nossas opções são A, C, E. Mas como a nota anterior é um A, e precisamos fazer movimento descendente, a mais indicada é o E. Todavia isso resulta em um salto, que não deve ser priorizado. Outra opção, que igualmente mantém a melodia em graus conjuntos, é ir para o G, que é a sétima do acorde. Mas aí ficamos também com outra questão: continuamos apenas com graus conjuntos. E como disse anteriormente, mudar o tipo de variação cria interesse.

Decidi por fazer uma melodia descendente em grau conjunto, para evitar seguir o mesmo padrão das variações anteriores. Ou seja, eu poderia fazer E, F, G, o que teria também o G, e poderia desembocar no A depois. Mas entre o grupo dos compassos 1 e 2, e o grupo dos compassos 3 e 4, o que acontece é justamente uma queda sucedida de movimento ascendente por grau conjunto. Para evitar isso, eu utilizarei G, F, E.

Sexto compasso

Logo em seguida, para o compasso 6, vou dar sequência a este novo padrão, e as notas serão D, C, B. Agora só falta uma última parte, nos compassos 7 e 8, onde é bacana fazer uma variação rítmica para “anunciar” que a frase está acabando, como um ponto final.

Final da frase

As principais variações rítmicas são esticar, comprimir, e inverter o ritmo. Para concluir, é mais comum de se encontrar uma diminuição no ritmo, o que causa um efeito de que algo está acabando. Como aqui já são notas longas, a melodia perde um pouco de expressividade com isso, mas vou utilizar este princípio para demonstrar a característica de finalização que expliquei. Além de alongar o ritmo com notas mais demoradas, vou também inverter ele. O que eram uma mínima e duas semínimas, ficarão duas semínimas pontuadas no compasso 7 + duas colcheias (que servem como elemento de ligação), e uma mínima pontuada no compasso 8 + duas colcheias (que servem como elemento de ligação).

No compasso 9 a frase acaba. Ele seria a continuação, mas esse é só um exemplo de construção de melodia, com início, meio e fim. Acompanhe na página 2 como fica tudo na partitura. Logo depois tem o áudio também, para quem quiser acompanhar.

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