Nesse post eu vou demonstrar como criar uma melodia, de maneira simples e fácil. O exemplo que darei será uma melodia para quem quer iniciar os estudos sobre improviso, criação musical e composição.
O que você verá neste artigo
- Primeiros passos
- Célula rítmica e motivo
- Regras básicas para atribuir as notas
- Comentários sobre as regras
- Vamos ao motivo então
- Desenvolvimento da melodia
- Variação no segundo compasso
- O que temos até então
- Uma variação bastante utilizada
- Usando os quatro primeiros compassos para criar a parte final da frase
- Vamos aos quatro últimos compassos
- Sexto compasso
- Final da frase
Primeiros passos
Vamos começar definindo compasso e andamento, dentro da parte rítmica. Depois definimos tonalidade e progressão harmônica, dentro da parte harmônico melódica.
- Compasso: 4/4
- Andamento: 90
- Tonalidade: Am
- Progressão Harmônica: i – iv (Am – Dm)
Definido isso, vamos à semente do que será a melodia.
Célula rítmica e motivo
Para início de tudo vamos desenhar uma célula rítmica, e só depois colocar notas. A célula rítmica deste exemplo ocupará um compasso e terá três notas. Ela é formada por uma mínima e duas semínimas. Eis a célula rítmica:
Regras básicas para atribuir as notas
- A melodia deve estar compreendida dentro de uma oitava.
- A primeira nota deve ser a Tônica, a terça, ou a quinta da tonalidade em questão.
- Preferencialmente graus conjuntos.
- Se houver saltos, eles devem ser sucedidos e, se possível, precedidos de movimento contrário.
Comentários sobre as regras
Essas são regras antigas, que eram praticadas com rigor na Europa desde o século XII. São regras muito básicas, e não se aplicam em muitas músicas mais recentes. Estou falando em coisa de 100 – 200 anos para cá. Aprender os primórdios da construção de melodias é muito válido. Mesmo que não exista mais a obrigação de se seguir essas regras, ainda assim elas acabam aparecendo bastante. Outro detalhe importante é que, ao longo do tempo, essas regras foram ganhando variações, ou foram evoluindo, e se adaptaram.
A primeira regra, por exemplo, foi deixando de ser usada para compreender apenas uma oitava. Com o tempo, além de uma oitava, também começamos a limitar a melodia a duas oitavas, uma oitava e uma quinta, uma oitava e uma terça, e assim por diante. Neste exemplo, como é um estudo inicial, eu vou utilizar a limitação da melodia da forma mais fácil possível, ou seja, com a extensão de uma oitava.
Vamos ao motivo então
Depois de definida a célula rítmica, o próximo passo neste exercício é atribuir uma nota no sentido harmônico. O motivo pode ser definido de várias formas. Aqui eu estou definindo-o como uma sequência de três notas com um compasso de duração. Comecei atribuindo o ritmo, para somente agora atribuir um contorno melódico, pois acredito que isso facilita a compreensão. Na concepção estrita deste estudo, motivo é a soma de uma célula rítmica com um contorno melódico.
Célula rítmica é uma sucessão de figuras rítmicas que podem ser utilizadas em qualquer nota. Já contorno melódico são as notas no âmbito harmônico melódico, independente do ritmo que tenham.
Para facilitar o processo de entendimento, comecemos com a Tônica (segunda regra), e sigamos com grau conjunto ascendente (terceira regra). Acompanhe na partitura como ficará.
Desenvolvimento da melodia
Depois de criado o motivo, começando com uma célula rítmica, e após isso um contorno melódico, fazemos variações. Você pode conferir neste link um pouco mais sobre variação musical. Porém o básico que precisa ser entendido é que este pequeno fragmento de melodia vai ser repetido, mas não exatamente igual, e as variações feitas nele dependerão de todo o contexto da música em questão. O princípio de tema e variação se aplica desde o início deste estudo. Tudo isso é feito para ser algo acessível e compreensível rápida e facilmente.
Aqui eu estou criando uma melodia como exemplo, mas você pode pode utilizar estes princípios para criar qualquer melodia. Aliás, o objetivo é este, apenas demonstrar.
No primeiro compasso construímos o motivo em cima do acorde de Am. No segundo compasso daremos continuidade construindo uma variação sobre o acorde de Dm. Para isso, analisemos os detalhes do motivo.
- Ritmo de três notas, sendo a primeira longa e as outras duas curtas.
- Contorno melódico ascendente, onde as notas só sobem.
Existem algumas variações possíveis, tanto no âmbito rítmico, quanto no harmônico melódico. Algumas considerações são interessantes antes de desenvolver a melodia. Segundo Arnold Schönberg, o ritmo é mais importante para manter a coesão da peça. Não é uma visão unânime, é claro, mas ele foi um grande teórico da Música, professor, e criador do dodecafonismo.
Variação no segundo compasso
Por isso, para este exercício, vou fazer a primeira variação na harmonia apenas, ou seja, o ritmo continuará o mesmo de antes. Na prática isso significa que eu vou desenrolar as notas de acordo com a progressão harmônica. Utilizando os mesmos princípios de antes, eu vou começar com a primeira nota, que deve ser a Tônica, terça, ou quinta do acorde. Sobre o acorde de Dm, a melodia pode começar, então, com D, F, ou A.
Como a última nota do compasso anterior é C, a nota mais próxima para começar o segundo compasso é o D. Além disso, o D é a Tônica do acorde. A prioridade é ela então. Para ir direto ao ponto, vamos colocar um D ali e seguir o processo.
Note que, em termos de intervalos, o motivo tem o seguinte padrão: T, 2, 3. Já que o segundo compasso começa com a Tônica, vamos manter esse padrão. O segundo compasso, construído sobre o acorde de Dm, ficará com o mesmo ritmo, e as notas serão D, E, F.
O que temos até então
Enquanto no primeiro compasso temos as notas A, B, C; no segundo compasso temos D, E, F. No primeiro compasso temos movimento ascendente por grau conjunto e no segundo também. Os intervalos em relação à Tônica do acorde são os mesmos também. Isso faz com que este segundo fragmento seja facilmente reconhecido pelo ouvinte, ou seja, a primeira variação do motivo é reconhecida prontamente. Em outras palavras, os dois primeiros compassos têm uma unidade bastante coesa.
O resultado final desse início é uma melodia ascendente, em grau conjunto.
Uma variação bastante utilizada
Nos compassos 3 e 4 vamos fazer uma variação bastante comum, mas não necessariamente inexpressiva. Ela é bem simples e pode ser usada também como segunda voz. O que eu farei aqui é simplesmente pegar os intervalos T, 2, 3 do motivo e subir uma terça. Como resultado final, o que antes era A, B, C, D, E, F ficará C, D, E, F, G, A.
Nesse ponto atingimos a oitava de extensão que eu propus no início. Já temos quatro compassos, que podem ser pensados como células que se desenvolvem. A primeira célula gera a segunda por semelhança. As duas primeiras, por sua vez formam uma nova unidade, que gera outra unidade, também por semelhança. É um desenvolvimento orgânico.
Usando os quatro primeiros compassos para criar a parte final da frase
Primeiramente vejamos que a terminologia varia. Eu vou usar a que considero mais apropriada, principalmente a quem é iniciante. Eu poderia me referir aqui a “sentença” também, mas prefiro deixar este termo de fora e usar somente “frase”. O que importa, no final das contas, é entender a lógica e o processo.
Outra coisa importante é que eu não estou falando em inspiração, ou intuição, e é evidente que a criação musical também tem isso. Mas fica difícil ser claro e abarcar tudo que envolve a criação, improviso e composição. Portanto eu considero mais proveitoso explicar minuciosamente estes detalhes técnicos e racionais, para só futuramente falar em intuição.
Vamos aos quatro últimos compassos
Comecemos pensando em fazer variações diferentes das feitas até então. A primeira coisa a se considerar agora é que a melodia já atingiu uma oitava, portanto vamos para o movimento contrário. Se antes a melodia subia, vamos descer. Isso, além de deixar a melodia dentro das regras propostas, desperta interesse no ouvinte, posto que ela não fica sempre na mesma.
No quarto compasso, temos como última nota o A, sobre o acorde de Dm, o que é a 5J do acorde. No quinto compasso, temos o acorde de Am, e precisamos descer. Para onde ir? A princípio, as nossas opções são A, C, E. Mas como a nota anterior é um A, e precisamos fazer movimento descendente, a mais indicada é o E. Todavia isso resulta em um salto, que não deve ser priorizado. Outra opção, que igualmente mantém a melodia em graus conjuntos, é ir para o G, que é a sétima do acorde. Mas aí ficamos também com outra questão: continuamos apenas com graus conjuntos. E como disse anteriormente, mudar o tipo de variação cria interesse.
Decidi por fazer uma melodia descendente em grau conjunto, para evitar seguir o mesmo padrão das variações anteriores. Ou seja, eu poderia fazer E, F, G, o que teria também o G, e poderia desembocar no A depois. Mas entre o grupo dos compassos 1 e 2, e o grupo dos compassos 3 e 4, o que acontece é justamente uma queda sucedida de movimento ascendente por grau conjunto. Para evitar isso, eu utilizarei G, F, E.
Sexto compasso
Logo em seguida, para o compasso 6, vou dar sequência a este novo padrão, e as notas serão D, C, B. Agora só falta uma última parte, nos compassos 7 e 8, onde é bacana fazer uma variação rítmica para “anunciar” que a frase está acabando, como um ponto final.
Final da frase
As principais variações rítmicas são esticar, comprimir, e inverter o ritmo. Para concluir, é mais comum de se encontrar uma diminuição no ritmo, o que causa um efeito de que algo está acabando. Como aqui já são notas longas, a melodia perde um pouco de expressividade com isso, mas vou utilizar este princípio para demonstrar a característica de finalização que expliquei. Além de alongar o ritmo com notas mais demoradas, vou também inverter ele. O que eram uma mínima e duas semínimas, ficarão duas semínimas pontuadas no compasso 7 + duas colcheias (que servem como elemento de ligação), e uma mínima pontuada no compasso 8 + duas colcheias (que servem como elemento de ligação).
No compasso 9 a frase acaba. Ele seria a continuação, mas esse é só um exemplo de construção de melodia, com início, meio e fim. Acompanhe na página 2 como fica tudo na partitura. Logo depois tem o áudio também, para quem quiser acompanhar.