Theodor Adorno

Adorno musical e consciência6 minutos de leitura

Que Theodor Adorno foi um pensador importante do século XX, ligado à Escola de Frankfurt, é um fato já bem conhecido. Provavelmente por causa da sua formação acadêmica em Filosofia. Já o fato de ele ter estudado composição com Alban Berg, em Viena, acaba ficando de fora dos holofotes. Uma evidente supervalorização da influência da Filosofia em detrimento à influência da Música em sua vida. Confira como Adorno chegou na concepção do que ele chamou de consciência musical.

Alban Berg
Alban Berg (Viena, 09/02/1885 – 24/12/1935).

É bem verdade que Adorno teve fases, e que nem sempre escreveu sobre Música e que, até mesmo quando escrevia sobre Música, era sob um viés filosófico. Também é verdade que ele não foi o único pensador a escrever sobre Música, pois Hegel escreveu extensamente sobre estética, Max Weber tocava piano, e costumava passar os fins de semana reunido com amigos em sua casa tocando. A história de amizade e inimizade entre Nietzsche e Richard Wagner já é batida também, apesar de pouco divulgada a informação de que Nietzsche, assim como Adorno, compôs algumas peças. E nem precisamos ficar apenas nos pensadores mais recentes, pois Platão já falava sobre a influência das escalas (modos) no caráter das pessoas e, desde lá, muitos já escreveram sobre estética, de Santo Agostinho à Foucault.

Qual é o ponto?

A questão é dar a devida importância para a Música na obra dos pensadores ocidentais. Se comenta que eles escreveram sobre outros assuntos, mas a Música dificilmente aparece nos comentários sobre Adorno, Einstein, Weber ou Pitágoras, todos músicos.

O Fetichismo na Música é um ensaio de Adorno surgido em 1938, depois de ele já ter escrito A Situação Social da Música, em 1932, e o estudo Sobre o Jazz, em 1936. Nesse ensaio de 1938, Adorno coloca que a “(…) função disciplinadora da Música (…) se manteve, em nossos dias, certamente mais do que em qualquer outra época histórica”.

Consciência do condicionamento musical

Isso dá pra notar desde Twist and Shout, pelo menos. A versão do quarteto fantástico para La Bamba emplacou em todas as rádios e foi um estouro da Beatlemania. Twist and Shout é uma canção que nunca sai de moda. Aqui no brasil temos a popozuda remexendo até o chão, que em termos de conteúdo é a mesma coisa, só mais brega e mais vulgar.

Mais do que função disciplinadora, a Música adquiriu um papel de ferramenta de adestramento e condicionamento das pessoas. De tanto ouvir “shake it up, baby” e “vai popozuda remexendo até o chão” é que hoje a música “boa” é aquela que é tiktokável. E eu não estou falando metaforicamente, pois um dos critérios importantes para uma gravadora contratar um artista atualmente é esse. Isso é uma regressão na audição, mas também é um fetichismo, onde o valor da Música não está nela mesma, mas na bunda que rebola.

Adorno reflete sobre o fenômeno musical na sociedade e a consciência dos indivíduos

Mas não é somente nisso que é possível notar a doutrinação do comportamento humano através da Música. Essa é uma questão bastante antiga, que só piora. Um slogan de uma marca, com uma melodia, sendo repetido consecutivamente em propagandas que atingem milhões de pessoas, é a forma mais segura e eficaz de deixar um carimbo no cérebro das pessoas, a vida inteira. Certamente você lembra de uma melodia de propaganda que ouviu ainda criança. Isso é a função disciplinadora da Música que Adorno se refere.

Liberdade individual e consciência musical

Segundo Adorno, “o próprio conceito de gosto está ultrapassado” e “(…) a existência do próprio indivíduo, que poderia fundamentar tal gosto, tornou-se tão problemática quanto, no polo oposto, o direito à liberdade de uma escolha, que o indivíduo simplesmente não consegue mais viver empiricamente.” Ele afirma aí que tornar-se um indivíduo virou um problema, mas porquê? E além disso, que o direito à liberdade também acabou por se tornar um problema, e a própia liberdade impossível de ser experimentada, mas porquê, afinal?

Theodor Adorno ao piano
Theodor Adorno ao piano

Erich Fromm também fala de (falta de) consciência

Será que tem alguma coisa ver com o que Erich Fromm, que também fez parte da chamada Escola de Frankfurt, afirmou quando disse que “Somos livres para fazer o que queremos, mas não para querer o que queremos”? Me parece que ambos afirmam que o ser humano não consegue mais ser ele mesmo na atualidade. Que hoje somos apenas mais um no meio da manada, e sem conseguir fugir dessa escravidão moderna. E a Música não somente é consequência desse modo de vida que cega a todos. É também uma ferramenta importante no processo de adestramento do ser humano, pelo próprio ser humano.

O ponto de vista de Adorno não apenas tem um viés filosófico, na minha opinião. Ele fala da música como um fenômeno das massas do século XX. Mas rádio não é Música, gravadora não é Música, muito menos rebolar é. Longe de querer pregar que um puritanismo estéril, daqueles que acha que só a música europeia do classicismo é erudita, o ponto central da tonalidade crítica do meu texto é o que Adorno define como consciência musical, que se perde quando o indivíduo não tem o direito de escolher aquilo que gosta e o que não gosta, e simplesmente compreende a marcha e vai seguindo em frente.

A pergunta que não quer calar

Freud quando fala em Moral, fala em termos de consciência moral. Podemos pensar em consciência musical, moral, espiritual, em qualquer tipo de consciência. Porém o que me pergunto é: que consciência nós temos?

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