Lição de Hume

Lição de vida que ressoa com Hume8 minutos de leitura

Eu sempre gostei de entender as coisas, busquei o porquê dos fatos. Quando aprendia algo, um mero “é assim porque é assim e sempre foi assim” nunca me convenceu. Nos meus aprendizados eu percebi que sou muito ligado à teoria. Na maioria das vezes priorizei a teoria, em vez da prática. Há poucos anos, porém, um pensador me fez ver a vida de outro jeito. David Hume me ensinou uma lição de vida muito valiosa, que ressoa com meus valores. Leia esse post até o final e tire suas próprias conclusões.

Introdução – Quem foi Hume?

David Hume nasceu em Edimburgo, Escócia, em 7 de Maio de 1711. Aos doze anos foi estudar no college de Edimburgo e, por tradição da família materna, foi orientado a estudar advocacia. Após quatro anos de estudo no college, porém, ele voltou à pequena propriedade rural em que cresceu, e se dedicou a leitura de Cícero, Virgílio, Horácio, os escritores ingleses da época, como Milton e Pope, e os filósofos Clarke e Bayle.

Ele tinha o desejo de explorar o mundo, mas teve que se contentar com um pouco mais do que um passeio. Na França começou a escrever o Tratado da Natureza Humana, sua principal obra, segundo os especialistas. Depois, em Londres, se dedicou a revisar para publicar a obra.

Mas ele era ambicioso, e esperava por uma recepção triunfal. Porém ninguém deu a mínima bola para o livro dele. Apesar de aborrecido com isso, ele continua escrevendo. Em 1741 publica os Ensaios Morais e Políticos, que teve uma boa recepção. Mas ele não satisfez sua ambição com este pequeno sucesso.

Ele toma outro rumo, e se candidata a professor de Ética da Universidade de Edimburgo. Mas é barrado no baile por acusação de heresia e ateísmo. Nova decepção. E depois outra, e mais outra, entre reconhecimentos e bajulações. E novamente é “acusado de ateu”.

Depois de passar perto da fogueira pela segunda vez ele ainda conhece Rousseau.

Afinal, o que é mais importante: teoria ou prática?

Este é o ponto central do que eu quero tratar aqui neste post. Se por um lado precisamos da teoria para respaldar nossas ações, por outro elas não são nada se não existir atitude. É possível pensar também que ações sem teoria têm valor, mas teoria sem atitude não têm. Vamos analisar cada caso.

Mesmo quem tem a opinião de que a teoria é mais importante que a prática, reconhece que aquela sem essa é inútil. Isso nos coloca frente à dúvida de qual é a melhor direção a ser seguida. Basicamente temos duas hipóteses. A primeira diz que nascemos voltados à ação. Já a segunda diz que nascemos voltados para a razão, a especulação e a teorização. A esta altura você já deve estar pensando que as duas são importantes, e que talvez essa discussão seja uma discussão teórica inútil. Permita-me ousar um convite, se esse for o caso. Convido você a conhecer a ideia simples, porém sofisticada, deste grande pensador. Se isso não fizer diferença para você e você não modificar um pouco que seja a forma de pensar, eu peço que me perdoe. Todavia, se esse texto, ou parte dele, ressoar em você, passe adiante esta lição.

Lição que David Hume ensina a todo teórico

Mesmo que pensar antes de agir melhore tudo, pensar sem agir é pior do que agir sem pensar. Refletir sobre a vida é um dos pilares da nossa evolução. Porém reflexão sem atitude impede a evolução. Da mesma forma, então, que quem age demais por impulso acaba por meter os pés pelas mãos, quem não faz nada também comete um erro.

Perfeccionismo e impulsividade

O perfeccionismo pode ser uma característica maravilhosa. Mas também pode ser a ruína de uma grande pessoa. A impulsividade, em muitos aspectos, é oposta ao perfeccionismo. Enquanto o perfeccionista deixa de agir porque não está suficientemente bom, o impulsivo vai lá e age de qualquer jeito. Mas essas duas características têm em comum o fato de serem potencialmente maravilhosas. Entretanto, quando mal usadas, se tornam fonte de decepção.

A diferença crucial é que a impulsividade motiva a ação, enquanto o perfeccionismo paralisa. Se eu for construir um relógio de pulso à mão, eu vou precisar ser bastante perfeccionista. É um trabalho lindo, na minha opinião, conseguir encaixar cada pecinha minúscula no seu lugar. Mas nem tudo na vida é assim. Aliás, pouca coisa exige tanta meticulosidade quanto fabricar um relógio, cheio de pecinhas, à mão. Uma pessoa impulsiva teria muita dificuldade em fazer isso.

Mas quem age simplesmente, no instinto, ou na intuição, como frequentemente se diz, faz muitas coisas que os teóricos ou perfeccionistas não fazem. E isso inclui viver, ter experiências de vida.

Citações de Hume que demonstram sua sensatez

Apesar de ser um filósofo voltado à ação, David Hume demonstra clareza em perceber os prós e contras de se ser de uma forma ou de outra. Acompanhe o trecho a seguir:

“O filósofo puro é um personagem comumente pouco aceito no mundo, pois inicialmente se supõe que ele não contribui em nada para o benefício ou para o prazer da sociedade, já que vive afastado de toda comunicação com os homens e envolvido em princípios e noções igualmente remotas à sua compreensão. Por outro lado, o ignorante puro é ainda mais desprezado, já que, em uma época em que florescem as ciências não há sinal mais claro de estreiteza de espírito do que não se interessar por estes nobres entretenimentos.”

Investigação sobre o entendimento humano

É importante lembrar que ele viveu durante o iluminismo. Hoje as coisas são bem diferentes, em alguns aspectos. Se por um lado a ciência é bastante valorizada e a religião perde seu valor (o que era de se esperar após o iluminismo), tenho sinceras dúvidas quanto aos ignorantes serem desprezados.

Lição de Hume para os artistas

Nessa citação, David Hume fala o quanto a teoria é importante para os artistas. No exemplo que ele dá, é falado sobre a pintura, mas a lição que Hume nos passa serve para todas as artes.

“Um artista estará mais bem caracterizado para o triunfo em seu empreendimento se possuir, além de gosto refinado e rápida compreensão, um conhecimento primoroso das estruturas internas do corpo, das operações do entendimento, do funcionamento das paixões e das diferentes espécies de sentimentos que assinalam o vício e a virtude.”

Investigação sobre o entendimento humano

Aí está bem claro que ele está se referindo à pintura de figuras humanas. Logo adiante ele cita que é útil ao pintor o conhecimento da anatomia até mesmo para pintar Vênus ou Helena. Todavia, é bastante claro, também, que, além deste aspecto, o entendimento de coisas imateriais, como as paixões, vícios e virtudes, torna o trabalho de um artista notavelmente melhor.

Conclusão

Eu penso que é mais importante agir sem pensar, do que pensar sem agir. Porém eu penso dessa forma hoje. Nem sempre eu pensei assim. Durante muito tempo eu fui inclinado a ter um posicionamento perfeccionista, do tipo que deixa de agir por não existirem condições ideais, por exemplo. Eu demorei para aprender esta valiosa lição, e Hume foi um grande colaborador. Demorei para perceber o quanto é valioso agir, mesmo que os resultados não sejam os esperados.

E eu percebo isso não só em mim. Percebo em um número considerável de pessoas essa frustração de desejar ter feito algo que não fez, seja por medo que desse errado, ou por achar que o que poderia ter feito não fosse ficar suficientemente bom. De qualquer jeito, essas coisas tem a ver com uma autoestima baixa.

Segundo a análise que eu faço de Hume sobre esses assuntos aqui tratados, eu concluo principalmente duas coisas:

  1. É mais importante agir do que pensar, ou sendo mais específico, é mais importante agir sem pensar do que pensar sem agir. Uma teoria que nunca foi colocada em prática é algo inútil, mas a resolução prática sem embasamento teórico é útil. Em termos de utilidade para a vida, e de viver simplesmente, a ação, evidentemente, é o princípio de tudo.
  2. Isso não significa, porém, que pensar e refletir não seja importante. Muito pelo contrário. Pensar e ter alguma atividade intelectual é essencial. Mas isso não deve impedir a ação, nem por perfeccionismo e nem por qualquer limitação excessiva.

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