A evolução dos Modos Gregos8 minutos de leitura

Acompanhe a evolução dos modos gregos, uma trajetória histórica de escalas que são a base para a harmonia ocidental.

Pegando-se os sete modos gregos como exemplo, se invertermos o Lídio, teremos o Lócrio. Acompanhe como se dá a inversão dos modos. O Lídio é formado por T, 2M, 3M, 4A, 5J, 6M, 7M. Ao invertermos estes intervalos, nós teremos:

  • 7M – 2m
  • 6M – 3m
  • 5J – 4J
  • 4A – 5d
  • 3M – 6m
  • 2M – 7m

Lembrando as simples regras para inversão de intervalos:

  • Um intervalo + o seu intervalo invertido deve ser igual a 9.
  • Maior se torna menor e vice-versa.
  • Aumentado se torna diminuto e vice-versa.
  • Justo continua justo.
  • Não se inverte intervalo composto.

Pronto, com essas cinco regras é possível fazer qualquer inversão.

Conforme é mostrado na primeira lista, ao invertermos o modo Lídio, ele se torna o Lócrio. E assim sucessivamente, com todos os modos gregos. O Jônio se torna Frígio, o Mixolídio se torna Eólio, e o Dórico, bom, o Dórico continua Dórico. Interessante, não é? Vejamos como isso funciona.

Jônio e Frígio:
  • 2M – 7m
  • 3M – 6m
  • 4J – 5J
  • 5J – 4J
  • 6M – 3m
  • 7M – 2m
Mixolídio e Eólio:
  • 2M – 7m
  • 3M – 6m
  • 4J – 5J
  • 5J – 4J
  • 6M – 3m
  • 7m – 2M
Dórico:
  • 2M – 7m
  • 3m – 6M
  • 4J – 5J
  • 5J – 4J
  • 6M – 3m
  • 7m – 2M

Mas isso não acontece somente com as sete escalas chamadas de “Modos gregos”.

Todavia, antes de seguir é bom fazer uma ressalva. Os “modos gregos” são erroneamente chamados assim. A rigor eles devemos chamá-los de “Modos eclesiásticos”, pois a igreja se apropriou do conhecimento das escalas gregas para si, e para monopolizarem esse conhecimento, trocaram os nomes das escalas de lugar.

Portanto, ao ler A República, de Platão, você verá que, no diálogo entre Sócrates e Glauco, no livro III, eles falam da “harmonia”. Porém, as escalas que eles se referem ali são os verdadeiros modos gregos, enquanto isso que conhecemos por “Modos gregos”, na verdade, são os “Modos eclesiásticos”.

Escalas maiores e menores

Feita a ressalva, vejamos as escalas maiores e menores. O primeiro ponto é que a harmonia tonal descende da modal. Às vezes é difícil identificar a diferença e colocar em palavras, mas basicamente podemos considerar que a música modal segue sempre em torno do mesmo modo, mesmo que sejam os “hipos”.

Em função do surgimento de músicas que mudassem de modo no meio da música é que foi começando a surgir outros intervalos que se destacavam naquele ponto da música. Isso teve como resultado mais adiante, a introdução do termo “modulação”, que hoje é utiliza-se como sinônimo de mudança de tom. Mas, naquela altura, significava que a música estava transitando entre modos diferentes, ou seja, a “tônica” continuava a mesma, porém o modo variava, de um frígio para um Eólio, por exemplo.

Como e porque aconteciam essas mudanças, ou modulações

Peguemos o exemplo acima. Em uma mudança de Frígio para Eólio, o único intervalo que muda é o de segunda, que passa a ser maior. Isso deixa a harmonia um pouco mais extrovertida. Utilizavam esse recurso (e ainda usam) para passar de uma parte turbulenta para uma que apresente uma abertura para algum alívio. Tal como um diminuto quando resolve (na harmonia tonal). Mesmo que a Tônica continue a mesma, a mudança dos intervalos em relação a ela, modifica o clima da música.

Essas mudanças de modo se deram, no princípio, por pequenas alterações, onde uma música em Lá Frígio, em determinado momento tinha um Si natural. Não eram alterações persistentes, mas sim apenas um enfeite. Como o passar do tempo, e o uso cada vez mais frequente desse recurso, se estabeleceu o que, outrora, era modulação (mudança de modo).

Como a música modal se tornou tonal

Da mesma forma como pequenas alterações que apareciam eventualmente na harmonia / melodia se tornaram mudanças persistentes de modos, alguns modos foram caindo em desuso. A preferência por determinados modos é o que fez com que, muito tempo depois, se desenvolvesse um sistema teórico harmônico, onde restaram apenas dois modos. O raciocínio é o mesmo, desde a instauração da dominante, passando pela mudança de modos, até chegar na harmonia tonal.

A dominante

Esse é um termo-chave em harmonia, com diversos significados, sempre importantes. Muito antes da harmonia tonal, no tempo do canto gregoriano, ou cantochão, baseados nos modos, onde cada modo representava determinadas características dentro da liturgia; para se acentuar a última nota, a nota que concluiria a peça, se utilizava outra nota que remetesse a ela. A última nota, assim como a primeira, era denominada Tônica. Existiam algumas notas que causavam esse efeito desejado, de se exaltar a Tônica. A sensível (7M) e a 2ª, maior ou menor, por serem as mais próximas da Tônica. Mas principalmente a 5J acima, o que abriu espaço para a 5J abaixo, que, por ficar uma 4J de distância da Tônica, abriu espaço para o intervalo de 4J acima também.

A 5J começou a aparecer tanto nas melodias, (como nota que exalta a Tônica não somente antes da Tônica final, mas como forma de criar um clima, durante toda a peça, que não deixasse dúvida que a Tônica era aquela anunciada pela 5J) que isso fez com que ela “dominasse” a melodia, aparecendo mais que a própria Tônica. Daí vem a origem do termo Dominante, utilizado hoje como quinto grau (V).

A escolha do Jônio e do Eólio como escalas maior e menor, respectivamente

Por essa questão de modos que caíram em desuso, começaram a utilizar o Jônio como modo maior e o Eólio como modo menor. Por isso chamam-se atualmente de escalas primitivas as escalas maiores e menores exatamente iguais aos modos gregos. Além da escala primitiva (maior e menor), têm-se as harmônicas e melódicas.

A essa altura, é interessante perguntar uma coisa: se o Jônio acabou sendo usado como escala maior e o Eólio como menor, porque o Jônio invertido = Frígio, e porque o Eólio invertido = Mixolídio? Não faria mais sentido que a escala maior e a menor fossem a inversão uma da outra?

Aí entra, mais uma vez, o trítono

Digamos que na preferência pelo modo menor, acabou-se escolhendo naturalmente o Eólio, muito mais do que os outros. E assim, poderia se usar o raciocínio que expus acima: o maior seria automaticamente o Mixolídio. Porém, o Mixolídio apresenta um problema basal: o trítono da escala está entre a 3M e a 7m. E a música na renascença, por mais que envolvesse mudanças como substituição de harmonia modal por tonal, entre outras; ainda levava muito em consideração a questão de evitar o trítono.

A mudança no papel do trítono

No que surge a música tonal, e o que antes era a mudança de modo, mas passa, então, a ser mudança de tônica; o papel do trítono se modifica ligeiramente. Se na harmonia modal bastava evitar o trítono, na harmonia tonal ele foi usava-se ele como pivô para resolução de tensões.

Ou seja, antes, por influência da igreja, o clima tenso (diabolus in musica) era sempre evitado, para contornar tensões na sociedade. Se simplesmente suprimissem a tensão musical, pensavam eles, a música não seria causa de comportamentos discordantes, e todos aceitariam as verdades impostas pela religião, sem questionar. Em outras palavras, era uma estratégia para manter o povo dócil e obediente. Mesma estratégia utilizada na China, muito tempo antes, com o uso da pentatônica.

Com a reforma e o absolutismo, acontecimentos que marcam a queda de poder da igreja e o aumento do poder da monarquia, o trítono passou, pouco a pouco, a ser resolvido, em vez de evitado. A lógica por detrás disso é que a igreja simplesmente queria pessoas submissas que obedecessem sem questionar, por isso evitava o elemento harmônico problemático. Já a monarquia não tratava o povo como cordeirinhos obedientes, mas como trabalhadores que obedeciam ao rei, mesmo sem gostar.

Na música isso é representado pela substituição da lógica de se evitar sentimentos ruins, pela lógica de incluir sentimentos ruins, resolvê-los, e deixar o povo com a falsa sensação de que está tudo bem. O trítono, em termos psicológicos, significa isso. E a história da música tonal pode se resumir à resolução do trítono.

Um ponto importante: isso não é uma avaliação moral da harmonia

O que me proponho a fazer aqui não é julgar moralmente o uso de escalas. Não se trata disso. Nem quero entrar na questão de gosto. O que faço é pura e simplesmente uma análise da mudança de concepção harmônica, dentro da música ocidental, nos últimos séculos.

Considero os aspectos puramente musicais, mas também os aspectos sociais e psicológicos da música. Isso dá um contexto e um entendimento mais amplo.

Conclusão

  • Os modos gregos podem ser invertidos, assim como os intervalos.
  • O Dórico é o único modo que não pode ser invertido.
  • As escalas maior e menor descendem dos modos Jônio e Eólio, respectivamente.
  • A dominante e o trítono têm um papel central no estudo e compreensão da harmonia.

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