A regra que sigo é a de ser correto. Talvez o que você pensa que é correto não seja o mesmo que penso que é. Mas mesmo que agir segundo o que acho correto seja algo subjetivo, é essa regra que tenho para mim. Isso não significa que eu seja mais correto que você, ou que qualquer pessoa. Contudo, isso significa que reflito sobre a melhor forma de se ser correto, e se isso deve variar conforme as pessoas e situações, ou não.
Talvez você também pense sobre qual é a maneira mais adequada de se comportar. Quem sabe até consiga colocar na prática mais do que eu. Porém, todos sabemos, ou deveríamos saber, que nem todo mundo se preocupa em pensar sobre qual é o comportamento mais correto.
O que você verá neste artigo
- Ao agir corretamente deve-se considerar as pessoas e as situações
- Retidão de caráter com tudo e todos como fundamento para atitudes justas
- Paradoxo de se agir incorretamente para se conseguir ser justo
- De boas intenções o inferno está cheio
- O paradoxo dentro do paradoxo
- Ampliando o exemplo para coisas maiores do que a vida pessoal
- A atitude correta é aquela que é refletida
Ao agir corretamente deve-se considerar as pessoas e as situações
Por que as atitudes morais devem ser direcionadas conforme a situação e a pessoa? Considere que, se você busca uma retidão de caráter, tenha certeza de que nem todas as pessoas que você encontrar pelo caminho são assim também, em primeiro lugar. Enfatizo que isso deve ser a primeira coisa, porque sem a clareza dessa percepção, você ficará facilmente tentado a dar uma colher de chá para pessoas que você percebe que agem de má-fé, pois esse é um comportamento amigável.
Retidão de caráter com tudo e todos como fundamento para atitudes justas
Podemos pensar, por exemplo, que se ajo amigavelmente, mas o outro não, isso é problema dele, e não meu. Posso querer justificar a plena retidão de caráter em todas as situações com isso. Posso me concentrar em apenas ser correto, e se os outros forem assim também, ou não, a minha parte eu fiz. Até certo ponto isso faz sentido, e serve como um bom fundamento para atitudes justas.
Paradoxo de se agir incorretamente para se conseguir ser justo
Acontece que nem tudo é óbvio e direto. Se você for correto com alguém incorreto, não só você pode sair prejudicado, como outras pessoas também. Esse problema de se agir eticamente em todas as situações, vai nos colocar frente a um paradoxo: para ser correto sempre, é preciso ser incorreto com quem é incorreto. Para chegar nessa conclusão, utilizarei uma regra lógica.
Ponto de vista A:
- Seu amigo pede para você acobertar um caso extraconjugal dele. Você aceita, por achar que amizade é tudo. (Proposição 1: eu agi corretamente)
- A namorada dele descobre e conta para a sua namorada, que fica desconfiada de você e acaba o namoro. (Proposição 2: fui prejudicado como consequência)
- Você e seu amigo estão com outra namorada, meses depois. Ele pede que você acoberte uma traição novamente. Você nega, pois anteriormente foi prejudicado pelo mesmo motivo. (Proposição 3: eu agi de maneira oposta à mesma situação, e penso que antes agi errado e agora certo)
- Seu amigo se ofende.
Ponto de vista B:
- Seu amigo pede para você acobertar um caso extraconjugal dele. Você nega, pois isso é incorreto com ela. (Proposição 1: eu agi corretamente)
- Ela fica sabendo e perde a confiança nele, e concomitantemente, passa a confiar em você.
- Ela dá em cima de você e diz que não quer mais ficar com ele, pois ele é traiçoeiro. Você nega por ele ser seu amigo.
- Ela não aceita a rejeição e diz para ele que você é que deu em cima dele. Ele acredita, pois você ficou do “lado dela” quando ele quis pular a cerca. Você perde o amigo. (Proposição 2: fui prejudicado como consequência)
De boas intenções o inferno está cheio
Isso é só um exemplo fictício, mas possibilita ilustrar que “ser correto” simplesmente por ser correto, nunca fazendo concessão, pode levar a resultados piores do que ser flexível quanto à retidão de conduta. Isso não deve servir como desculpa para deslizes de toda ordem, mas como um modelo de pensamento que aprimora uma boa conduta, ao visar melhores consequências.
O paradoxo dentro do paradoxo
Poderia me estender, mas por enquanto deixa só isso. Uma característica constante no estudo da ética é considerar que ninguém é totalmente bom e nem totalmente mau. Isso equivale a dizer que o bem e o mal são relativos. Mas não no sentido de que um ato hediondo pode ser tanto bom quanto ruim, e sim no sentido de que toda e qualquer pessoa é capaz de bons e maus atos. Portanto, não existe uma regra absoluta que diga que o correto é sempre agir incorretamente com quem é incorreto.
Isso acrescenta outra dimensão ao paradoxo anterior. Se para ser correto sempre, é preciso ser incorreto com quem é incorreto, e ninguém é totalmente bom ou totalmente ruim; então para ser correto sempre é preciso agir incorretamente (mas só como resposta ao comportamento incorreto) com quem é incorreto. Dessa forma percebemos que:
- Agir incorretamente como resposta a um ato incorreto só será uma atitude correta se for considerada a atitude em si, e não quem cometeu a atitude.
- Agir corretamente perante um ato incorreto só é (ou poderá ser) prejudicial se for considerado que ambos, ou todos, os indivíduos envolvidos na situação são capazes de bons e maus atos, o que nos leva novamente ao (1), que fala que o parâmetro para esta conclusão são as atitudes em si, e não os indivíduos que cometeram as atitudes.
Ampliando o exemplo para coisas maiores do que a vida pessoal
Bom, se quero ser correto sempre, e para isso preciso ser incorreto com quem é incorreto, mas só em relação aquando esse “quem” é incorreto, a primeira coisa a ser definida, então, é como saber quando um comportamento é correto ou não. Na esfera pessoal, escolher acobertar a pulada de cerca do amigo, ou não acobertar, é uma coisa pequena. Mas esta discussão levada à vida social, onde os interesses de todos estão em jogo, adquire proporções maiores.
Por exemplo, o estado tem o aval para o uso da violência, e enquanto o cidadão comum está sob a égide das leis que definem isso, ele mesmo é passível de punição se utilizar violência. Nisso vemos a relatividade da moral. Se uma pessoa sacar uma arma na rua a atirar em alguém, será presa por isso. Se um policial fizer o mesmo e atirar num bandido, ele estará apenas fazendo o seu trabalho. Isso tudo com base em leis que sustentam o funcionamento da sociedade e do estado.
A atitude correta é aquela que é refletida
Exceto caso eu seja um funcionário público que crie, julgue ou execute as leis do estado, não cabe a mim querer definir. No máximo dar a minha opinião, e só. Mas na esfera privada da minha vida individual, cabe a mim definir se vou mentir para acobertar a traição de um amigo, ou não. E é nesse sentido que todos temos não apenas o direito, mas o dever de refletir e escolher o melhor caminho. Talvez a minha escolha não seja a mesma que a sua, mas desde que tenhamos nos dado ao trabalho de pensar e buscar um comportamento adequado, já estamos agindo corretamente.
O que será decisivo ao final, não é o comportamento em si, mas o trabalho intelectual. A busca sincera e dedicada à resposta de qual atitude é mais correta é o cerne de boas atitudes. A partir disso podemos perceber que mais que bons ou maus, devemos ser justos. E para ser justo é preciso analisar e julgar cada comportamento segundo o próprio discernimento.
Ninguém conseguirá tal feito com perfeição, mas o simples esforço para conseguir já é meio caminho andado.